O Delegado de Polícia Civil do Distrito Federal, Thiago Frederico de Souza Costa, toma posse no cargo de Presidente da Associação Nacional dos Delegados de Polícia Judiciária (ADPJ), nesta terça-feira (14), às 19h, no auditório da Direção-Geral da PCDF.
Delegado da PCDF há 12 anos, tomou posse em 2011. Durante todos estes anos na Instituição, Thiago de Souza assumiu cargos importantes na Corregedoria-Geral de Polícia, foi Diretor de Controle Interno da PCDF, também passou pela Assessoria Institucional da PCDF e pela Secretaria de Segurança Pública do DF, período em que chefiou a Assessoria Jurídico-Legislativa. Foi Assessor Especial da SSP/DF e Chefe de Gabinete do Secretário de Segurança Pública. Além disso integra a Diretoria de Assuntos Parlamentares do Sindicato dos Delegados de Polícia Civil do DF (Sindepo-DF).
O Delta conversou com o Presidente da ADPJ, Thiago de Souza, ele falou sobre as principais demandas da categoria, seus objetivos enquanto Presidente da Associação, melhorias para carreira e falou também sobre as maiores dificuldades em ser Delegado de Polícia Judiciária no Brasil.
Delta: Quais são as principais demandas da categoria hoje?
Thiago de Souza: A pauta política e legislativa da ADPJ é um grande desafio. A reforma da previdência que ocorreu em 2019 foi um grande revés para todos os Delegados de Polícia, tendo em vista que impôs novas regras duras para a categoria, sem regras de transição razoáveis, de forma muito diferente do que ocorreu com os militares. Temas como idade mínima, regras de pensão e alíquota previdenciária são essenciais e precisam ser revistas em uma proposta de reparação da tragédia provocada na gestão anterior, que culminou ainda com a existência de Policiais de natureza civil trabalhando no mesmo órgão mas sob regimes previdenciários distintos, o que certamente causará conflitos internos em um futuro breve. Ainda relacionado ao assunto, temos a discussão sobre o Tema 1019, no Supremo
Tribunal Federal, que poderá agravar a situação da aposentadoria dos Delegados de Polícia, na medida em que se discute a paridade e integralidade, podendo trazer prejuízo aos Policiais Civis.
Outra pauta relevante para a Associação é a aprovação da proposta de Lei Geral das Polícias Civil, prevista no Projeto de Lei 1.949, de 2007, da Câmara dos Deputados. No fim de 2022 houve uma grande movimentação em torno da proposta, com um acordo para que fosse aprovada em conjunto com a proposta de Lei Geral das Polícias Militares, mas que não foi cumprido, de forma que a proposta das Polícias Militares foi aprovada na Câmara dos Deputados, enquanto a proposta das Polícias Civis teve apenas o regime de urgência aprovado.
Além dessas duas pautas, existem outras igualmente importantes, tais como a proposta de ampliação da legitimidade para formalização do Acordo de Não Persecução Penal - ANPP aos Delegados de Polícia, como já ocorre com relação à delação premiada, uma vez que não faz sentido que se tenha que percorrer todo o procedimento investigatório, com todas as nuances e dificuldades inerentes a essa atividade, para ao final o Ministério Público proponha o ANPP. O objetivo é trazer mais celeridade, eficiência e economicidade para a atividade de polícia judiciária, permitindo que o Delegado de Polícia possa propor o ANPP durante a fase do inquérito policial.
Queremos também a ampliação do viés protetivo da atuação do Delegado de Polícia, permitindo legalmente que a autoridade policial estabeleça medidas protetivas de urgência em favor de vítimas da infração penal, especialmente daquelas vulneráveis, como criança, idoso, deficiente, além de aperfeiçoar a previsão atualmente existente na Lei Maria da Penha, com relação às mulheres.
Não podemos esquecer também de temas importantes como a proposta de novo Código de Processo Penal, que tramita na Câmara dos Deputados.No âmbito do Executivo, pretendemos levar ao Ministério da Justiça e da Segurança Pública a proposta de criação da Diretoria Nacional de Polícia Judiciária – DNPJ no âmbito da SENASP. Pretendemos criar um órgão central, de caráter nacional, de definição e uniformização das políticas públicas relacionadas à atuação das Polícias Judiciárias, inclusive na padronização de procedimentos e atuação no campo das políticas de segurança pública das Polícias Judiciárias dos Estados e do Distrito Federal, tal como já ocorre há bastante tempo com a Força Nacional, de viés predominantemente militar e que é composto majoritariamente por Policiais Militares.
D: Quais são seus objetivos para a Associação?
T.S: Pretendo dar seguimento ao processo de amadurecimento institucional da ADPJ, buscando ampliar a base de entidades estaduais associadas e fortalecer a gestão administrativa. No campo de relações institucionais, o objetivo é dar maior visibilidade à ADPJ perante os órgãos e entidades parceiros, fazendo da ADPJ a maior entidade de delegados de polícia do Brasil, o que já é uma perspectiva muito próxima.
D: O que precisa ser mudado na carreira?
Enquanto carreira típica de Estado, no exercício de função indelegável e essencial à justiça e à segurança pública, o delegado de polícia tem papel ímpar dentro da esfera do serviço público e da persecução penal. É preciso aproveitar esse potencial e a legitimidade que o delegado de polícia possui enquanto típica autoridade policial, distinguindo-se, nesse campo, das demais carreiras da segurança pública. Além da exclusividade na condução e presidência do inquérito policial, o Delegado de Polícia deve ampliar sua esfera de atuação. Sem prejuízo de outros instrumentos de fortalecimento da carreira, uma das formas diz respeito à proteção de pessoas especialmente vulneráveis e das vítimas da infração penal, atuando como longa manus do magistrado.
Forte notar que as situações de violação aos direitos desses grupos especialmente protegidos pela lei e por convenções internacionais de direitos humanos não esperam horário de abertura do expediente ou dia útil para que sejam perpetradas. Diante disso, a ideia é transformar as Delegacias de Polícia em locais de defesa da cidadania, da dignidade e de proteção imediata à vítima, especialmente aquela particularmente vulnerável, devendo, para tanto, serem promovidas alterações legislativas para que o delegado de polícia possa aplicar diretamente medidas protetivas de urgência em favor de vítimas de violência doméstica, idosos, crianças e adolescentes em situação de risco, submetendo ao controle jurisdicional posterior. Além disso é necessário fortalecer as prerrogativas funcionais dos delegados de polícia, evitando ações que possam inibir sua autonomia funcional investigativa, como a salvaguarda contra possíveis imputações por “crime de hermenêutica” em decorrência do legítimo exercício de sua prerrogativa de interpretar a lei penal no caso concreto.
D: Quais são as maiores dificuldades que o Delegado de Polícia Judiciária no Brasil?
TS: O Delegado de Polícia possui certamente uma das atividades mais complexas e mais fiscalizadas no serviço público. Ele atua em um cenário totalmente antagônico durante uma investigação criminal, em que o autor do fato atua para se eximir da responsabilização, o advogado atua legitimamente na defesa do investigado, com acompanhamento do Ministério Público e controle jurisdicional, estando sujeito a diversas regras e procedimentos formais que, inobservados, podem ensejar a nulidade dos atos e até mesmo a responsabilização do presidente do inquérito policial. Paralelo a isso vivemos momentos de fragilização das prerrogativas não só do delegado de polícia como da própria instituição policial, em que as ações do Estado são colocadas em xeque, o que vem tornando a atividade policial ainda mais complexa.
Nesse cenário, se impõe um trabalho de qualificação e valorização do nosso principal instrumento jurídico de trabalho, que é o inquérito policial, uma vez que sua importância como instrumento de proteção de direitos e garantias vem se elevando. Ao mesmo tempo é preciso rever as políticas de segurança pública que tem se refletido na desvalorização e desmantelamento das Polícias Civis, pois é notória a repetição de políticas públicas ultrapassadas que não se atentam ao caráter preventivo da repressão qualificada.
Ainda que muitos especialistas consigam fazer um diagnóstico do problema, as soluções apresentadas geralmente repetem fórmulas que já demonstraram baixa efetividade. No caso da criminalidade organizada, não se pode aferir a eficiência da política de segurança apenas pela “sensação de segurança”, fator que historicamente é prestigiado e que resultou no fortalecimento exacerbado da atividade de polícia ostensiva e no enfraquecimento das Polícias Judiciárias, especialmente das Polícias Civis.
As políticas públicas na área de segurança precisam se atentar ao aspecto preventivo e inibidor decorrente da repressão qualificada sobre a criminalidade violenta, que somente ocorre a partir da identificação e desarticulação de organizações, trabalho árduo e silencioso que exige investigação e inteligência, razão pela qual o grande desafio é incutir nas autoridades a percepção de que é preciso rever esse modelo de política de segurança.
Publicado em 15/03/2023