Em vigor há quase um ano, o projeto Audiência de Custódia, que consiste na garantia da rápida apresentação do preso a um juiz nos casos de prisões em flagrante, gera polêmicas. Criado em fevereiro de 2015 pelo CNJ (Conselho Nacional de Justiça), a iniciativa é criticada por delegados, policiais e também pela população. O objetivo é reduzir o número de detentos, concedendo liberdade provisória aos presos considerados de menor periculosidade. Na teoria, a iniciativa visa também diminui os custos aos cofres públicos com gastos em presídios.
Porém, a decisão, para alguns delegados e também para integrantes da sociedade civil organizada é interpretada como uma impunidade – com direito à liberdade concedida e defendida pelo governo e pelo Judiciário. A ideia é que o acusado seja apresentado e entrevistado pelo juiz, em uma audiência em que serão ouvidas também as manifestações do Ministério Público, da Defensoria Pública ou do advogado do preso em um prazo de 24 horas após a prisão em flagrante. E que, daí, busque-se estabelecer algum tipo de pensa alternativa à detenção.
Para o presidente da ADPF (Associação dos Delegados de Polícia Federal), Carlos Eduardo Sobral, o projeto burocratiza, gera custos e menos policiamento nas ruas. “O policial deixa de estar na rua porque precisa acompanhar o caso até o fim e aguardar liberação”, ressaltou ele.
Aumento da Burocracia
Sobral destacou que a audiência só aumentou a burocracia, já que o antigo trâmite ainda permanece, pois o preso é apresentado ao delegado e depois é levado ao juiz. De acordo com ele, ao ser preso o delegado já faz essa “audiência de custódia” e decide pela liberdade ou pela legalidade da prisão. O delegado alertou que ainda faltam condições e poderes aos delegados para aplicação de medidas alternativas como condicionar a liberdade ao uso de tornozeleira eletrônica, prisão domiciliar ou apresentação em juízo em tempos estipulados no ato da decretação da medida.
“Qual é a autoridade que tem maior expertise para decidir se o criminoso tem ou não que ficar em liberdade? Neste caso é o delegado, que acaba se aprofundando e estando na linha de frente dos fatos cometidos. Sem profundidade dos fatos, o juiz acaba, em 15 minutos, tomando uma decisão precipitada e nem sempre acertada”, disse Sobral.
No trâmite anterior, o preso em flagrante era levado a um delegado que decidiria pela legalidade da prisão ou liberdade mediante fiança para casos em que a pena prevista não extrapolasse quatro anos. Caso a decisão fosse pela prisão, o passo seguinte seria encaminhar o preso para exame de corpo delito e, posteriormente, ao centro de detenção provisória para aguardar julgamento. A demora, nesse caso, era de cerca de até seis meses. No entanto, após a prisão, o advogado poderia peticionar a um juiz, por meio de habeas corpus, a liberdade provisória.
No modelo atual, o preso em flagrante passa pelo delegado. Em caso de legalidade da prisão, é emitida a autuação. O preso segue, então, para exame de corpo de delito e, posteriormente, é encaminhado a um juiz. Neste caso, deve haver acompanhamento de um procurador e um advogado, muitas vezes da defensoria pública. Tudo em um prazo de 24 horas. A palavra final sobre liberdade ou prisão é do juiz.
Desestímulo
Para o presidente do Sindicato dos Delegados de Polícia do Distrito Federal, Benito Tiezzi, com o aumento no número de solturas de presos em flagrante por tráfico de drogas, que antes era de 15% na capital e agora com a Audiência de Custódia está em cerca de 60%, está havendo um aumento no número de roubos e crimes na cidade. De acordo com ele, a liberdade do preso em menos de 24 horas após a prisão está gerando, além de tudo, um desestimulo na categoria, que acaba prendendo duas ou três vezes o mesmo criminoso.
“Há um desestimulo para a Polícia e para a sociedade que vê o sujeito de novo na rua. Desestimulo para a Polícia Militar que faz as prisões em flagrante e desestimulo para a Polícia Civil para investigar. A sociedade está acuada. Os criminosos conversam entre si. O negócio começa a ter uma dimensão impulsionada que eu, sinceramente, não sei onde vamos parar com isso”, ressalta Tiezzi, que também afirmou ter problemas com o grande efetivo demandado para acompanhar esses presos até a audiência, tirando os policias das ruas.
Redução de gastos e presídios menos cheios
O Ministério da Justiça e o CNJ, entretanto, defendem a realização de audiências de custódia como alternativa para desafogar os presídios e os gastos com presos. Atualmente, o país conta com uma população carcerária de pouco mais de 600 mil detentos, que se alojam entre as 376.669 vagas existentes no sistema. São 231 mil presos a mais do que o suportado nas penitenciárias do país.
Para o ministro presidente do CNJ e do STF (Supremo Tribunal Federal), Ricardo Lewandowski, a previsão é que o projeto gere economia de R$ 4,3 bilhões aos cofres públicos, em um ano. A estimativa leva em conta o valor médio que um preso custa ao governo, cerca de R$ 3 mil por mês, e a proporção de liberdade provisória concedida em audiências de custódia, que têm liberado cerca de 50% das pessoas pegas em flagrante.
Além da redução de custos com presos, Lewandowski afirma que o país deixou de construir 11 presídios após a implantação da Audiência de Custódia. Para o diretor regional da ADPF na Bahia, Rony José Silva, a economia alegada pelo ministro Lewandowski não está bem fundamentada. Para ele, deixar de prender quem cometeu algum crime, além de deixar de construir presídios para colocar essas pessoas, “não é motivo para comemorar”.
“Não construir presídios é um tapa na cara da sociedade que está vendo a violência aumentar. O Estado hoje está se vangloriando de pôr presos nas ruas. É uma gincana
[a audiência de custódia] para liberar presos passando por cima de fatos juridicamente comprovados, mas com a alegação de não ter vagas nos presídios”, ressaltou.
Para o presidente da AMB (Associação dos Magistrados Brasileiro), João Ricardo, as audiências de custódia têm apresentado resultados positivos e o número de reincidentes “é baixo”. “Não há como contestar. Mais da metade dos presos em flagrantes são liberados quando não há a necessidade da prisão, ainda que delitos tenham sido cometidos. Os índices de reincidência, na maioria dos casos, têm sido baixo”, ressaltou.
“Projeto pessoal”
De acordo com Rony Silva, a Audiência de Custódia é “um projeto pessoal de Lewandowski” que passa por cima de tratados internacionais ao entender que o preso deve ser apresentado a um juiz e esquecer que o delegado é uma autoridade policial formada em Direito, treinada e aperfeiçoada para aquela situação. Para ele, o projeto duplica a burocracia, já que o preso passa pelo delegado e logo em seguida por um juiz que dará um parecer provisório até o julgamento.
Na Bahia, de 1110 audiências realizadas até janeiro deste ano, 774 decisões foram pela liberdade dos presos apresentados. A sede onde são realizadas as audiências fica na antiga delegacia de furtos e roubos no bairro do Iguatemi, em Salvador.
De acordo com Silva, a aglomeração de presos diversos, de baixa e alta periculosidade, familiares e crianças é um problema que vem desagradando a OAB regional, os advogados e policias. Presos se acumulam sentados no chão, em pé, escorados nas paredes ou mesmo caminhando algemados entre as pessoas presentes. Além disso, de acordo com ele, é um risco manter um preso de alta periculosidade entre os demais, aguardando um julgamento em local inapropriado.
Conforme estatística do C
Em vigor há quase um ano, o projeto Audiência de Custódia, que consiste na garantia da rápida apresentação do preso a um juiz nos casos de prisões em flagrante, gera polêmicas. Criado em fevereiro de 2015 pelo CNJ (Conselho Nacional de Justiça), a iniciativa é criticada por delegados, policiais e também pela população. O objetivo é reduzir o número de detentos, concedendo liberdade provisória aos presos considerados de menor periculosidade. Na teoria, a iniciativa visa também diminui os custos aos cofres públicos com gastos em presídios.
Porém, a decisão, para alguns delegados e também para integrantes da sociedade civil organizada é interpretada como uma impunidade – com direito à liberdade concedida e defendida pelo governo e pelo Judiciário. A ideia é que o acusado seja apresentado e entrevistado pelo juiz, em uma audiência em que serão ouvidas também as manifestações do Ministério Público, da Defensoria Pública ou do advogado do preso em um prazo de 24 horas após a prisão em flagrante. E que, daí, busque-se estabelecer algum tipo de pensa alternativa à detenção.
Para o presidente da ADPF (Associação dos Delegados de Polícia Federal), Carlos Eduardo Sobral, o projeto burocratiza, gera custos e menos policiamento nas ruas. “O policial deixa de estar na rua porque precisa acompanhar o caso até o fim e aguardar liberação”, ressaltou ele.
Aumento da Burocracia
Sobral destacou que a audiência só aumentou a burocracia, já que o antigo trâmite ainda permanece, pois o preso é apresentado ao delegado e depois é levado ao juiz. De acordo com ele, ao ser preso o delegado já faz essa “audiência de custódia” e decide pela liberdade ou pela legalidade da prisão. O delegado alertou que ainda faltam condições e poderes aos delegados para aplicação de medidas alternativas como condicionar a liberdade ao uso de tornozeleira eletrônica, prisão domiciliar ou apresentação em juízo em tempos estipulados no ato da decretação da medida.
“Qual é a autoridade que tem maior expertise para decidir se o criminoso tem ou não que ficar em liberdade? Neste caso é o delegado, que acaba se aprofundando e estando na linha de frente dos fatos cometidos. Sem profundidade dos fatos, o juiz acaba, em 15 minutos, tomando uma decisão precipitada e nem sempre acertada”, disse Sobral.
No trâmite anterior, o preso em flagrante era levado a um delegado que decidiria pela legalidade da prisão ou liberdade mediante fiança para casos em que a pena prevista não extrapolasse quatro anos. Caso a decisão fosse pela prisão, o passo seguinte seria encaminhar o preso para exame de corpo delito e, posteriormente, ao centro de detenção provisória para aguardar julgamento. A demora, nesse caso, era de cerca de até seis meses. No entanto, após a prisão, o advogado poderia peticionar a um juiz, por meio de habeas corpus, a liberdade provisória.
No modelo atual, o preso em flagrante passa pelo delegado. Em caso de legalidade da prisão, é emitida a autuação. O preso segue, então, para exame de corpo de delito e, posteriormente, é encaminhado a um juiz. Neste caso, deve haver acompanhamento de um procurador e um advogado, muitas vezes da defensoria pública. Tudo em um prazo de 24 horas. A palavra final sobre liberdade ou prisão é do juiz.
Desestímulo
Para o presidente do Sindicato dos Delegados de Polícia do Distrito Federal, Benito Tiezzi, com o aumento no número de solturas de presos em flagrante por tráfico de drogas, que antes era de 15% na capital e agora com a Audiência de Custódia está em cerca de 60%, está havendo um aumento no número de roubos e crimes na cidade. De acordo com ele, a liberdade do preso em menos de 24 horas após a prisão está gerando, além de tudo, um desestimulo na categoria, que acaba prendendo duas ou três vezes o mesmo criminoso.
“Há um desestimulo para a Polícia e para a sociedade que vê o sujeito de novo na rua. Desestimulo para a Polícia Militar que faz as prisões em flagrante e desestimulo para a Polícia Civil para investigar. A sociedade está acuada. Os criminosos conversam entre si. O negócio começa a ter uma dimensão impulsionada que eu, sinceramente, não sei onde vamos parar com isso”, ressalta Tiezzi, que também afirmou ter problemas com o grande efetivo demandado para acompanhar esses presos até a audiência, tirando os policias das ruas.
Redução de gastos e presídios menos cheios
O Ministério da Justiça e o CNJ, entretanto, defendem a realização de audiências de custódia como alternativa para desafogar os presídios e os gastos com presos. Atualmente, o país conta com uma população carcerária de pouco mais de 600 mil detentos, que se alojam entre as 376.669 vagas existentes no sistema. São 231 mil presos a mais do que o suportado nas penitenciárias do país.
Para o ministro presidente do CNJ e do STF (Supremo Tribunal Federal), Ricardo Lewandowski, a previsão é que o projeto gere economia de R$ 4,3 bilhões aos cofres públicos, em um ano. A estimativa leva em conta o valor médio que um preso custa ao governo, cerca de R$ 3 mil por mês, e a proporção de liberdade provisória concedida em audiências de custódia, que têm liberado cerca de 50% das pessoas pegas em flagrante.
Além da redução de custos com presos, Lewandowski afirma que o país deixou de construir 11 presídios após a implantação da Audiência de Custódia. Para o diretor regional da ADPF na Bahia, Rony José Silva, a economia alegada pelo ministro Lewandowski não está bem fundamentada. Para ele, deixar de prender quem cometeu algum crime, além de deixar de construir presídios para colocar essas pessoas, “não é motivo para comemorar”.
“Não construir presídios é um tapa na cara da sociedade que está vendo a violência aumentar. O Estado hoje está se vangloriando de pôr presos nas ruas. É uma gincana [a audiência de custódia] para liberar presos passando por cima de fatos juridicamente comprovados, mas com a alegação de não ter vagas nos presídios”, ressaltou.
Para o presidente da AMB (Associação dos Magistrados Brasileiro), João Ricardo, as audiências de custódia têm apresentado resultados positivos e o número de reincidentes “é baixo”. “Não há como contestar. Mais da metade dos presos em flagrantes são liberados quando não há a necessidade da prisão, ainda que delitos tenham sido cometidos. Os índices de reincidência, na maioria dos casos, têm sido baixo”, ressaltou.
“Projeto pessoal”
De acordo com Rony Silva, a Audiência de Custódia é “um projeto pessoal de Lewandowski” que passa por cima de tratados internacionais ao entender que o preso deve ser apresentado a um juiz e esquecer que o delegado é uma autoridade policial formada em Direito, treinada e aperfeiçoada para aquela situação. Para ele, o projeto duplica a burocracia, já que o preso passa pelo delegado e logo em seguida por um juiz que dará um parecer provisório até o julgamento.
Na Bahia, de 1110 audiências realizadas até janeiro deste ano, 774 decisões foram pela liberdade dos presos apresentados. A sede onde são realizadas as audiências fica na antiga delegacia de furtos e roubos no bairro do Iguatemi, em Salvador.
De acordo com Silva, a aglomeração de presos diversos, de baixa e alta periculosidade, familiares e crianças é um problema que vem desagradando a OAB regional, os advogados e policias. Presos se acumulam sentados no chão, em pé, escorados nas paredes ou mesmo caminhando algemados entre as pessoas presentes. Além disso, de acordo com ele, é um risco manter um preso de alta periculosidade entre os demais, aguardando um julgamento em local inapropriado.
Conforme estatística do CNJ, da primeira quinzena de janeiro, das 38.600 audiências realizadas, em 18.676 foram concedidas liberdade provisória com alguma medida cautelar. Em Brasília, o último estado a receber o projeto em outubro de 2015, das 2.322 audiências, em 1.334 foram convertidas em liberdade. No início de janeiro, um casal suspeito de tráfico de drogas foi preso e em menos de 24 horas após a prisão em flagrante foram liberados. O caso levantou polêmica na cidade.
A Justiça reconheceu que há indícios suficientes para a prisão em flagrante do casal, mas decretou a liberdade provisória porque a dupla não faria parte de uma quadrilha de grande porte. Na ocasião, diante do fato, o delegado da Polícia Civil do Distrito Federal Rodrigo Larizzatti publicou, em redes sociais, um vídeo em que criticava a liberação do casal pela Justiça na audiência de custódia.
No Distrito Federal, o assunto será tema de debate na Câmara Legislativa nesta quinta-feira (28). Participarão integrantes da Polícia Civil do Distrito Federal, da OAB-DF (Ordem dos Advogados do Brasil, seção DF) e MPDFT (Ministério Público do Distrito Federal e Territórios). O objetivo é mostrar como a Audiência de custódia está sendo realizada, se está atendendo ou não à população e os impactos que ela acarreta quanto às investigações da Polícia Civil.
Fonte: http://fatoonline.com.br/conteudo/15772/liberdade-concedida-apos-audiencia-de-custodia-solucao-ou-problema?or=home&p=dp&i=0&v=1NJ, da primeira quinzena de janeiro, das 38.600 audiências realizadas, em 18.676 foram concedidas liberdade provisória com alguma medida cautelar. Em Brasília, o último estado a receber o projeto em outubro de 2015, das 2.322 audiências, em 1.334 foram convertidas em liberdade. No início de janeiro, um casal suspeito de tráfico de drogas foi preso e em menos de 24 horas após a prisão em flagrante foram liberados. O caso levantou polêmica na cidade.
A Justiça reconheceu que há indícios suficientes para a prisão em flagrante do casal, mas decretou a liberdade provisória porque a dupla não faria parte de uma quadrilha de grande porte. Na ocasião, diante do fato, o delegado da Polícia Civil do Distrito Federal Rodrigo Larizzatti publicou, em redes sociais, um vídeo em que criticava a liberação do casal pela Justiça na audiência de custódia.
No Distrito Federal, o assunto será tema de debate na Câmara Legislativa nesta quinta-feira (28). Participarão integrantes da Polícia Civil do Distrito Federal, da OAB-DF (Ordem dos Advogados do Brasil, seção DF) e MPDFT (Ministério Público do Distrito Federal e Territórios). O objetivo é mostrar como a Audiência de custódia está sendo realizada, se está atendendo ou não à população e os impactos que ela acarreta quanto às investigações da Polícia Civil.
Fonte: http://fatoonline.com.br/conteudo/15772/liberdade-concedida-apos-audiencia-de-custodia-solucao-ou-problema?or=home&p=dp&i=0&v=1
Publicado em 21/02/2016